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"É anador, Regina. A-N-A-D-O-R!"

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Nunca gostara de matemática. Achava uma chatice sem tamanho ter que se dedicar a entender números, equações, cálculos e coisa que o valha. Do alto de seus 12 anos de idade, já tinha certezas. Várias. Uma delas, ignorar a matéria. E era justamente numa aula de matemática que estava na manhã daquela quarta-feira sem graça (como costumam ser todas as quartas-feiras até hoje, acredita). Entendiada, achou no bolso da farda dois comprimidos de Anador - analgésico providencial caso a dor de cabeça que lhe ameaçava ao acordar resolvesse dar o ar de sua graça. Na falta de coisa melhor para fazer, pôs-se a esmigalhar os pequenos comprimidos, ruma de pó branco em cima da carteira.

Do nada, veio-lhe a idéia. Rapidamente destampou a caneta Bic, retirou a carga e com o tubo transparente fungou metade do pó em migalhas. Formigamento gostoso subindo pelas ventas. De pronto chamou Regina, sua melhor amiga, vizinha e colega de sala, e passando-lhe a caneta deu a ordem. "Cheire!". A menina ainda esboçou uma recusa. "Mas o que é?". "Cheire que depois eu lhe digo, vá logo", foi enfática. Regina obedeceu. E riu-se depois, quando o pó lhe fez cócegas nas narinas.

Finda a aula, Regina correu atrás da parceira para matar a curiosidade.
"O que era aquilo?".
"Cocaína", a outra, maldosa, disse-lhe baixinho, ao pé do ouvido.
"Mas não fale para ninguém, viu!".
"E agora?", Regina apavorou-se.
"Agora a gente vai para casa e daqui a uma meia-hora vai chegar o efeito".
"Efeito?".
"É, você vai ficar louca, sabe? Mas dentro de uns 30 minutos passa".
"E o que é que eu vou fazer, pelo amor de Deus?".
"Se tranque no banheiro. Já é quase meio-dia, quando der 12 e meia, você vai para o banheiro e se tranca. Até passar", recomendou, com olhar de Emília, a boneca de Monteiro Lobato. E se despediram.

Já em casa, mesa posta para o almoço, família reunida, a campanhia toca. Sentada ao lado do pai, vê, pelo vão da porta aberta, Regina de olhos esbugalhados, agarrando os próprios cabelos, desesperada adentrar a sala, aos gritos.

"O que aconteceu com essa menina?", o pai pergunta, olhando para a amiga da filha em pleno surto. "Foi uma nota baixa que ela tirou hoje, pai. Pode deixar que isso eu resolvo", tentou amenizar, coração na mão, com medo de ter sua traquinagem descoberta.
Mas nada aplacava a fúria de Regina. Levantou a mão para bater no pai da amiga, derrubou os vasos da sala, urrava e chorava.
"Mãe, vai pegar uma água com açúcar, pelo amor de Deus", pediu, na esperança de tirar a mãe de perto da amiga enlouquecida. "Eu já disse para ela não ficar assim, que se ela estuda ela recupera nota".

Quando finalmente ficaram a sós, olhou para a Regina e disparou a verdade. "Regina era anador, anador!. Para que essa loucura, menina? Não tinha cocaína coisa nenhuma. Era anador! A-N-A-D-O-R!". Mesmo que nada. Regina decididamente estava em pleno barato do pó e nada a fazia mudar de idéia. Aliás, a loucura só piorava, agora rasgava as almofadas que estavam em cima do sofá, aos gritos.

Depois dos 30 minutos de "efeito" previstos originalmente pelo arremedo de Emília, Regina voltou ao seu normal. Quando parou de soluçar foi para a casa. E a amizade entre as duas terminou. Ordem do pai, que não queria mais a filha andando com uma menina louca como Regina. As mães das duas, até então muito amigas, também se afastaram depois do episódio. Meses depois, Regina e sua família foram morar em outro bairro, sepultando de vez os ecos do escândalo.

3 comentários:

  1. Bia disse...

    A-D-O-R-E-I!!!

    pobre da Regina... e tem gente que diz lombra não pega...

    28 de janeiro de 2008 às 12:51  

  2. Thalles Walker disse...

    Porque todo mundo, subitamente, começou a escrever ou deixar referências em seus posts sobre drogas e seus usos?

    ...

    No comments.

    28 de janeiro de 2008 às 13:31  

  3. Anônimo disse...

    Pena não ter ouvido essa história ao vivo!
    Deve ter sido uma noite engraçadíssima.
    Mas existem dias de reclusão. E domingo foi um.
    E que venha o Carnaval!

    29 de janeiro de 2008 às 07:05  

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